Por Alexandre Moca
Dom Marcelo desde que chegou ao Morgado, lá pelos idos de 1975, nunca mais nos deixou, nem quando foi ser Arcebispo da Paraíba, nem quando fez sua Páscoa, como costuma dizer o jornalista Eraldo Luís.
Outro dia, quando fazia uma trilha rural, avistei Dom Marcelo no eremitério da Serra da Jurema, onde costuma meditar, ler e fazer orações.
São rezas daquelas que necessitam, para ganhar a altitude celeste, o acompanhamento do canto de sabiás, golados, bigodes e caboclinhos como fundo musical. Nessas ocasiões o maestro Francisco rege a orquestra.
Os pássaros capricham na sinfonia quando ele está por lá. Soube que nesse dia rezava, em especial, por nós morgadenses. Rezava também por toda a humanidade.
É que Dom Marcelo nunca foi econômico no seu pedir a Deus, principalmente pelos pobres. Do alto da sua humildade pastoral, tinha e tem um link dedicado com as hostes divinas, como certa vez lembrou Valéria Rezende.
O vi também um dia desses na feira do Morgado, curvado e quase de cócoras conversando por algum tempo com um pedinte que costuma esmolar sentado no batente de uma das entradas do Mercado Novo. Com um gesto discreto e comedido, passou para mão do esmoler sabe-se lá quanto em dinheiro. Ainda o ouvi quando ele disse, de forma meio assobiada, “Deus te abençoe!”
De outra feita, ainda no período das abundantes chuvas deste ano, o vi alegre e sorridente a conversar com agricultores assentados do Baixio e do Varelo, lá no vasto Curimataú. Com seu passo miúdo, zigzagueava entre pés de milho, feijão e fava, tropeçando aqui e ali em rotundas melancias e avantajados jerimuns.
Quando foi visto no Cachimbo Eterno pela última vez, no mês de maio, disseram que não teve qualquer dificuldade em alçar os batentes de uma das íngremes escadas que tanto reivindicou ao poder público para que fossem construídas. Tentou sensibilizar o administrador do Morgado de então a adotar práticas urbanísticas que viu em encostas habitadas de Medelin, na Colômbia.
No meio da subida, uma criança no colo da mãe estendeu-lhe os braços. Ele a tomou nos seus e ficou um bom tempo a conversar com a mãe do menino sobre Maria Santíssima, justo no mês dela, enquanto a criança brincava com a cruz de madeira que o sacerdote sempre carregou pendurada no pescoço, presa a um barbante.
Ao devolver a criança à mãe, esta deixou estampada na camisa branca de linho do sacerdote, como em um sudário, a imagem daquele Cristo menino, sujinho e ainda tão dependente de um olhar solidário.
Esta semana, alguns mais próximos de Dom Marcelo o ouviram ao telefone. Parecia, pelo tom da conversa, que era um insistente convite para ele passar o final do ano em Brasília.
Houve um agradecimento à pessoa do outro lado da linha, que parecia ser íntima do religioso. Disse o Bispo, em resposta, que em fevereiro ou março aparecia por lá. Tinha umas reivindicações a fazer pelos mais humildes. Disse também ao interlocutor que desta vez não indicaria ou avalizaria ninguém para cargos, acrescentando que ficou muito decepcionado com o Jungmann.
Soube que recentemente esteve em companhia de Dom Pelé e de Dom Helder, visitando Alagamar. Foram também à casa de Margarida Alves, nas beiradas da Lagoa do Paó, aproveitando ainda a viagem para dar uma passadinha, por ser perto, em Caiana dos Crioulos.
No começo desta semana, vi passar um veículo do Corpo de Bombeiros carregando uma bem entalhada urna de madeira. Com a sirene tocando como se abrisse caminho, percorreu as principais ruas da cidade. Desta feita não foi para apagar nenhum incêndio, mas para atiçar o fogo da fé e da lembrança de quem tanto se doou ao Morgado e a vasta região abrangida pela Diocese.
A tal urna guardaria os restos mortais do padre Marcelo, cuja ossatura intelectual, mística, e práticas humanitárias não caberiam em muitas urnas, se aos bens e valores etéreos, fosse aplicada mensura cúbica.
Bem disse Monsenhor Luis Pescarmona, amigo muito próximo do bispo: Dom Marcelo está ao lado de Deus, intercedendo por todos.
Mais que os dizeres pirogravados na urna de madeira que guarda hoje os seus restos mortais, dom Marcelo deixou impresso a fogo na memória e no coração dos morgadenses o seu amor ao próximo, a sua paixão pela justiça social e pela liberdade.
Portanto, toda vez que alguém sentir falta e quiser ver Dom Marcelo, vá onde estão os excluídos, os humilhados, os desvalidos. Exercite a empatia com os que são vítimas das injustiças sociais. Ele aparecerá, como em uma holografia, abrindo um largo sorriso.
Benvindo de volta ao Morgado Dom Marcelo Pinto Carvalheira. Seus restos mortais depositados em nossa Catedral se encontraram finalmente com a essência da sua ação pastoral e os resultados dos seus feitos, que ainda pairam na memória da vasta região diocesana que um dia esteve sob a sua orientação. Inspirai seus sucessores!
Alexandre Henriques (Moca) é cronista, fotógrafo-multimídia