Em função do império das contingências…
O tempo não mais existe, só a velocidade. A velocidade destrói, liquidifica, fulmina o tempo. Mas a velocidade constrói civilidade? A velocidade constrói paradigma? A ideia de tempo que é fulminada nesse modelo de sistema social, a ideia de tempo tão magistralmente dissecada por MARTIN HEIDEGGER e JORGE LUIS BORGES, parece evaporar. As ciências sociais, isto é, a fenomenologia de uma existência inexistente que existe, não mais consegue explicar as bases dos pensamentos sobre: tempo e velocidade. Se as ciências sociais não explicam, indaga-se: que são as ciências sociais? Provocaria o Observador deustcheWas sind dieSozialwissenschaften? Interrogaria o pensador italiano Cosa è le scienze sociali?
O modelo de sistema social que não pode desconsiderar sua incomensurabilidadecom a sociedade moderna, exige igualdade sem vê a produção da desigualdade, exige diversidade sem considerar a unidade. O sistema social convoca as ciências sociais para explicar os subsistemas sociais da política, economia, religião, cultural etc. As ciências sociais assumem, portanto, a função de construir explicações temáticas referentes à sociedade. A questão é que as ciências sociais não têm bases teóricas para cumprir a referida função, não construíram os alicerces teóricos. As ciências sociais procuram ocultar suas insuficiências para descrever a sociedade.
Houve dois momentos nos quais as ciências sociais conseguiram realizar a função a elas designada: primeiro, com a crítica ou denúncia da estrutura de classe da sociedade moderna (KARL MARX); segundo, a construção cética, a metodologia de organização e a ideia de racionalidade (MAX WEBER). A sociedade sem nome esboça um elemento novo com o qual as ciências sociais terão que se relacionar cientificamente, qual seja, a complexidade. Os teóricos sociais, os cientistas políticos, os analistas, os historiadores, enfim, os intelectuais de plantão no mundo da radiodifusão, comunicação televisiva, digital ou impressa, não fazem a menor ideia quanto ao sentido da terminologia (perdem-se na linguística) complexidade.
Como lecionam RAFFAELE DE GIORGI e HEINZ VON FOERSTER, os teóricos sociais não conseguem vêem que não vêem. O cenário é agravado com a tradução da cegueira social, como escreveu LUHMANN, não conseguem vêem que os sistemas operam pelo método da seletividade, seja referente às estruturas seja aos processos. O sistema opera à luz de uma série de possibilidades com o objetivo finalístico de criar uma ordem. Ao construir essa ordem o sistema próprio se torna complexo, pois se vê obrigado a realizar uma seleção quanto à relação existente entre seus elementos.
O sistema social, então, produz o que tem sido nominado de Manifestações – “Brasil” na rua. A comunicação que comunica, não comunica. Num dia a Folha de São Paulo traz manchete atribuindo aos manifestantes o adjetivo de vândalos, no outro (em função das agressões praticadas pela PM contra seus repórteres), a manchete é mudada para ativistas. Os intelectuais de plantão da Folha, Estadão, Globo etc., produzem uma comunicação que não comunica. Onde estavam 25horas antes da eclosão? Não há uma linha sequer escrita sobre a existência e organização do Movimento Passe Livre antes da sua aparição. Depois, a comunicação que não comunica revela-se sustentáculo de legitimação do movimento. Quando um conglomerado de comunicação social como o sistema Globo passa a produzir um discurso de legitimação do movimento, faz-se necessário realizar um pensamento reflexivo. Exercitar a memória. Faz-se necessário indagar quanto ao apoio da revista VEJA, veículo de comunicação reacionário, ultradireita, golpista, fascista, discriminatório, fomentador da ideia de classe.
Quando EINSTEIN afirmou que “as teorias científicas são livres criações da mente humana”, provocou o efeito: construtivo-destrutivo. Sua afirmação robustecia as novas conquistas alcançadas no universo da física. Mas também, fulminava séculos do pensamento europeu (ocidental) acerca do significado e sentido da teoria do conhecimento. A afirmação de EINSTEIN pode traduzir o sentido da revelação de um paradoxo. Ou melhor, revela a ocultação de um paradoxo. Provavelmente o paradoxo dos paradoxos. Se EINSTEIN estiver correto (razão) não há possibilidade de haver conhecimento, saber, explicação ou demonstração acerca do mundo e dos seres vivos que o habitam. Mais ainda, a própria ideia de MUNDO é liquidificada, fulminada, como escreveu NIETZSCHE, ˂mundo˃ é uma invenção cristã. Como diz RAFFAELE DE GIORGI “um conceito de fim, ao qual endereçar cada nossa necessária ignorância”.
Em 1883, na Escola de Direito do Recife, a única que já existiu no Brasil (a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco é uma Escola Política do Direito e não Científica), TOBIAS BARRETO publicava um texto intitulado “Variações Anti-sociólogicas”, para construir uma crítica na afirmação de que a SOCIOLOGIA não era uma CIÊNCIA, mas sim não passava de uma FRASE, de um sonho tão bonito quanto inatingível. A sociologia seria “apenas o nome de uma aspiração tão elevada, quão pouco realizável”. Sua tradução poderia se dá por um postulado do coração – nos dias atuais por um postulado dos interesses. Leia-se: poder econômico –, que procura traçar as linhas da sociedade num todo orgânico. Para a sociologia, a sociedade estaria subordinada, como os demais organismos, a certas e determinadas leis. Para TOBIAS BARRETO, trata-se de uma construção que não merece atenção. Para ele, o estudo dos fenômenos sociais, numa consideração de totalidade reduzida à unidade lógica de um sistema científico, resultaria numa estupenda pantosofia.
Para o mais importante Observador brasileiro do século XIX, a sociologia não se presta nem como ciência descritiva. As ciências sociais são construtíveis, pois que não podem ser descritos todos os fenômenos de sua alçada. Então, indaga: por que razão havia de ser como ciência de princípios, como ciência de leis, que têm de ser induzidas da observação desses mesmos fatos? O denominado Movimento Passe Livre, ganha as ruas das grandes metrópoles brasileiras. Indaga-se: por onde andavam os sociólogos que não escreveram sequer uma linha sobre o que estava para acontecer? A sociologia estava dormindo? Os sociólogos estavam assistindo a Copa das Confederações? Por quais redes sociais navegavam (curtir, compartilhar, post etc) os cientistas sociais? Em momentos como o atual (produção comunicativa-cultural dos humanos) é que a lição de HEINZ VON FOERSTER se faz presente e inquestionável “nas ciências, a verdade é a construção de um grande mentiroso”. E mais do que nunca, surgem os ensinamentos de RAFFAELE DE GIORGI, de que “o nosso mundo do saber é sempre menor do que o mundo do não-saber”.
A sociedade moderna era a sociedade do otimismo, em função do estágio de civilidade que havia alcançado, entre glórias e tragédias, entre civilidade e bábarie. A sua única preocupação era com a fenomenologia do perigo, a ideia de perigo, que sempre mereceu atenção, mas não compromentia o sistema. Surgiram as seguintes problemáticas: ecológica, tecnológica, informação. Como lembra RAFFAELE DE GIORGI, ocorre a mudança paradigmática do perigo para o risco, a sociedade sem nome é uma sociedade que não mais contempla o otimismo, esboça seu medo do futuro. Ela imprime, numa velocidade nunca antes identificada, uma produção de riscos inicalculável. Não há mais uma planficação do controle, apenas uma descrição que não descreve as consequências do agir humano.
E, finalmente, as tomadas de decisão que objetivam construir soluções para os problemas (riscos) que a sociedade sem nome produz, geram novos problemas, que exigem novas soluções, que ocasionam novos problemas implicadores sistêmicos. O maior risco produzido pelo modelo de sistema social sem nome é o risco de amanhã não mais existir.