Por Alexandre Moca
Querido Bernardo.
Me sinto, como avô, no dever de preveni-lo com relação à Guarabira que lhe espera. Quis crer, certa vez, que você a alcançaria melhor do que a encontrei, considerando a época, os avanços, a modernidade.
Logo, logo você vai poder andar e mesmo gozando da plenitude dos sentidos enfrentará algumas dificuldades, como a de ter que caminhar pelo leito das ruas disputando espaço com os carros. Explico: parte das nossas calçadas, quando não estão ocupadas por ambulantes, são espaços onde podem ser erguidos mictórios, garagens e tudo mais que a imaginação permitir, isto sem qualquer fiscalização ou impedimento. Burros, cavalos, bois e porcos continuam a ser vistos nas nossas principais vias, pastando livremente ou revolvendo lixo, como se estivéssemos em uma fazenda cujo dono fosse um desleixado.
Devo lhe dizer, com alguma tristeza, que Guarabira está em meio a uma involução civilizatória, onde lei como a de posturas urbanas, de tão caduca e pouco usada, tornou-se letra morta. O tal instituto, que deveria ser um impresso oficial, distribuído nas escolas como uma “Cartilha do ABC” e exaustivamente discutido com os alunos, esconde-se há anos em alguma gaveta emperrada da nossa burocracia municipal, certamente recoberto de poeira. A quase totalidade dos munícipes sequer sabe da sua existência.Os nossos legisladores nem sonham em rediscuti-lo, adaptando-o às exigências da atualidade e para o futuro. Seria mexer em casa de marimbondo, embora também fosse um ato de coragem e de cidadania.
A Guarabira da atualidade não é diferente de muitas cidades do Nordeste com a mesma extensão territorial e população. Mas, levando em consideração a nossa importância regional, bem que poderíamos nos tornar multiplicadores de bons exemplos, servindo de referência para a região polarizada. Os que tentarem hoje nos reproduzir, cairão no mesmo fosso histórico em que nos encontramos.
Aqui, meu neto, há uma prática levada a extremos, capaz de fazer com que os derrotados nas eleições passem, imediatamente após a derrota, a atrapalhar o vitorioso. Este é apenas um, entre tantos outros indicadores do nosso estado de atraso enquanto agrupamento social e político.
A retomada do território perdido passa a ser, depois da disputa eleitoral, mais importante do que qualquer sentimento público ou prática oposicionista propositiva.
Um exército de deformadores de opinião, a troco de trocados, submete-se a beatificar uns e demonizar outros, enchendo a mídia de potocas e futricas, sem se dar conta de que os seus mentores desejam mesmo é nos manter ignorantes e dispersos, adormecidos em nossa cidadania, condição que as vezes deixamos de dar a devida importância. Excetuem-se entre estes aqueles que fazem jornalismo com a inteligência e a percepção de que nada avança sob a égide da mediocridade.
Meu querido neto, as coisas aqui nem sempre foram como hoje, estiveram melhores e até piores, mas nunca tão estagnadas e sem perspectivas. Houve um tempo em que a livre manifestação como a que faço agora, poderia ensejar alguns problemas para quem ousasse/usasse abordar temas como este. Sobrevivemos a estes tempos bicudos.
Hoje a democracia, como você, ainda engatinha, mas já não corremos tantos riscos como antigamente.O máximo que podemos amargar ao assumir uma postura crítica despojada de qualquer interesse subalterno é o azedume, o destempero e a mesquinharia dos que, ao longo dos anos, se habituaram a ouvir apenas o eco da própria voz e elegeram como universo as vizinhanças do próprio umbigo.
Vivemos em uma cidade, meu bom Bernardo, onde alguns líderes, de tão cabotinos, consagraram a máxima que diz “adversário bom é adversário morto“, para que possa ser homenageado com nome de escola, ginásio, rua ou praça.
Por outro lado, o bom correligionário é aquele que já vem desapetrechado de cérebro, ou finge não possuir para passar melhor. Aqui, o exercício de pensar, na visão dos que ocupam o poder, é tarefa exclusiva de um, apenas um e de mais ninguém. A dúvida que persiste é se os que mais contribuem para o nosso atraso são os que se travestem de democráticos ou os totalitários assumidos.
Dos que cercam e dão suporte atualmente ao núcleo do poder público em Guarabira pouquíssimos possuem alçada concedida pelo soberano temporário, suficiente para comprar uma “quarta” de querosene em uma bodega, quanto mais para agir de forma eficiente e coordenada, criando as soluções que urgem e a cidade tanto precisa e espera.
Há pouco tempo, Bernardo, reacendi a esperança de que o início da década de 80 pudesse ser reeditado em Guarabira. Foi uma época em que demos um salto semelhante ao registrado nos tempos de Augusto de Almeida, no início dos anos 1950. Duro engano. A cidade continua feia e suja. Em qualquer dos acessos a Guarabira o visitante é recebido por sucatas, lixo e construções irregulares que desafiam o mais básico senso de racionalidade, pois muitas vezes têm sua fundação no limite ou sobre o próprio o acostamento. O trânsito só tem piorado, os mercados continuam velhos e obsoletos. Nem parece que houve troca de comando.
Você poderia dizer meu neto, que um ano é muito pouco. Seria obrigado a concordar, mas apenas em parte. Um ano pode ser pouco para construir obras de grande vulto ou para tocar ações de grande complexidade, todavia, começos, fundações e indicativos claros, estes sim, já deveriam estar em andamento. Alguma coisa deveria ter se movido nesse tempo e saído do discurso para a prática. Maquetes, plantas e projetos que nunca saem do papel, já não convencem um povo tão cansado e agredido em sua estima.
Querido neto, não quero regar com água quente a planta da esperança, mas seria omisso se não lhe desse conhecimento das minhas preocupações com o futuro, essa palavra mágica presente nos discursos e slogans, e que na boca de alguns dos nossos políticos, a julgar pelas suas práticas, remetem à idéia de obsolescência e atraso.
Gostaria Bernardo, mesmo que pretensiosamente, de tornar estas e outras cartas que lhe escreverei em registros de um tempo, para que elas sirvam, futuramente, para estabelecer um contraponto com as biografias laudatórias que certamente virão, e que grande parte das vezes usam como matéria prima o barro da bajulação, misturado à cal da subserviência, mal se sustentando nas estantes que lhe servem de apoio.
Por essa e por outras resolvi apalavrar o que penso sobre a realidade que hoje nos circunda e da qual você já faz parte.
Gostaria de falar ainda mais sobre biografias atiradas no lixo, sobre permeabilidade e fisiologismo. Mas fica para outra carta.
Durma em paz meu bom Bernardo. Que o silêncio e a tranquilidade do seu sono, sejam o pesadelo dos que ameaçam o futuro da cidade.