Por Alexandre Henriques
Gosto mais das festas do meio do ano do que das do fim, são mais autênticas e ainda por cima alicerçadas em uma tradição cultural bem mais ingênua.
O Natal e ano novo envolvem as pessoas em uma atmosfera de balanço, com avaliações que remetem a perdas e ganhos, lucro e prejuízo, deficit e superavit, bem à moda não só dos criadores, mas principalmente dos usufrutuários da invenção do Papai Noel.
A publicidade nessa época não dá tiro de “sniper”, lança granadas, cujos estilhaços midiáticos espalham-se em forma de sombrinha e acabam, de uma maneira ou de outra, atingindo todos ao redor, em maior ou menor intensidade.
Basta entrar em um shopping ou em um supermercado nesta época do ano, para ver como isso funciona. Estacionamentos cheios, lojas abarrotadas e o olhar mercantil mirado em nosso décimo terceiro salário. Tanto irritante quanto repisada é a trilha sonora desses dias: tim dom dom, tim dom dom, tim dom dom dom dom.
A felicidade vai no bolso, pronta para ser usada, seja em forma de cartão de crédito ou de pagamento com zero de entrada e a primeira parcela para março.
A felicidade também pode vir empacotada em forma de confinamento em hotel à beira mar, com dia e hora para entrada e saída, pensão completa, e ainda por cima com direito a ceias especiais de Natal e ano novo. No embrulho cabem ainda show pirotécnico, pulinho das sete ondas, espumante pro seco, sal de fruta Eno, Engov e Neosaldina.
Empacotados também, depois de uma vida confinados para engorda, estarão perus e leitões, cuja última apresentação se dará sobre a mesa, com uma maça na boca ou como se estivessem vestidos de fraque com botões de ameixas.
O resultado é previsível: guarda roupas estufados, sapateiras inchadas, geladeiras sem espaço para uma cabeça de alfinete, buchos empanturrados e muito trabalho extra para fígado durante as comemorações. Depois delas, o trabalho é para o SPC/ SERASA, durante o resto do ano e às vezes perder de vista.
A moça da loja, mal percebe que os botões quatro e cinco camisa em experimento, estão sob forte pressão e, com a fartura desses dias, podem se transformar facilmente em perigosos projéteis. Apesar disso anuncia animada – ficou muito bem no senhor. Prudente, o freguês pede um número maior e, como a loja não dispõe, ele acaba levando uma camisa polo, mais elástica e compreensiva com as suas formas. Lá com os seus botões, o cliente sentencia intimamente: na liquidação de março, com a
dieta que iniciarei em janeiro, venho buscar essa camisa de botão, e por um preço muito mais em conta. Porém, bem sabe ele, que depois do ano novo vem Santos Reis, São Sebastião e Nossa Senhora da Luz. Vencidos os santos de janeiro, estaremos na porta do carnaval, mas ai já são outros quinhentos.
No quadrilátero luminoso por onde a vida ideal enche os nossos olhos, as novidades são “as mesmas de sempre”, com ênfase para os pais de santo e suas previsões para o ano seguinte, do tipo: mais uma dupla sertaneja será desemparelhada, uma grande catástrofe deixará muitas vítimas; mais um importante político será flagrado em um escândalo de corrupção e um ator famoso sairá em definitivo da cena da vida, dentre tantas outras previsões previsíveis. Assim, até eu, que não jogo búzios e ainda não acredito em coisas invisíveis, infelizmente.
Me despeço do ano velho sem saudades do passado, arrependimento, ou mágoas menores, como diria Paulinho da Viola. Mesmo assim, se tivesse do que reclamar, o faria apenas com relação ao fato dele ter passado
muito rápido. Alguém já notou ou só acontece comigo?
Quero pegar o primeiro raio de sol do novo ano e atirá-lo na roda do tempo, na tentativa de fazê-la mais lenta. Quero, com a luz da primeira lua de janeiro, estreitar o gargalo da ampulheta que mede os dias, fazendo com que a areia desça grão a grão. Desejo que o tédio, primo irmão do medo, acostumado a nos visitar depois de períodos de grande euforia, seja piedoso conosco. Muita saúde, paz e sucesso para todos. Feliz ano novo.