No final da manhã desta quinta-feira (1), juízes e promotores da região do Brejo se reuniram no fórum da comarca de Guarabira para discutir e protestar contra a aprovação pela Câmara dos Deputados, do projeto de iniciativa popular que trata das 10 medidas contra a corrupção, proposta pelo Ministério Público Federal.
De acordo as associações de juízes e promotores, as propostas foram alteradas e a manutenção do texto, tal como foi aprovado, seria o início de um Ato Institucional ou a instituição do Estado de Exceção, já que estaria criminalizando as ações e investigações do Ministério Público.
Durante o evento em Guarabira, denominado ‘Ato Contra a Impunidade e a Corrupção’, o juiz Ozenival dos Santos Costa, da comarca de Solânea, foi dura em suas críticas e detonou a classe política paraibana, enumerando num total de dez, que votaram a favor da corrupção com a “desfiguração das propostas”.
“A magistratura está lutando para mostrar à sociedade que ou o juiz é livre ou o povo também está amordaçado porque não tem mais a quem recorrer. A liberdade do povo se expressa na sentença do juiz e isso só acontece quando o Ministério Público é eficiente, como o do Brasil tem se mostrado, trabalhando em conjunto e colocando à disposição da Justiça todos aqueles que são corruptos, propineiros, vergonhosamente assaltantes dos cofres públicos. É contra isso que nós nos insurgimos. Lamentavelmente, os nossos deputados da Paraíba, em número de dez, votaram tudo pela corrupção, com medo de ser também investigados. Mas nós, mesmo tirando cadeia, mesmo pagando indenização, não nos curvaremos, não ficaremos de joelhos, não cairemos aos pés desses pseudos donos do poder”, desabafou Ozenival.
Perguntado sobre seu ponto de vista quanto ao posicionamento dos deputados que votaram favoravelmente ao projeto com todas as alterações feitas no texto, o juiz considerou que são corruptos ou se preparando para ser.
“Atitude de corruptos ou pessoas que estão se preparando para ser corruptos. Porque é impossível você defender a corrupção. Quando se defende a corrupção é porque está envolvido ou vai se envolver. Isto aconteceu na Itália, na Operação Mãos Limpas e chegou ao Brasil, disfarçado. E o pior de tudo é aproveitar um projeto que vem da sociedade para implementar medidas de exceção que não atendem interesse da coletividade nem da sociedade brasileira”, disse o magistrado.
Leia manifesto divulgado pelos juízes e promotores
Porque estamos mobilizados?
A magistratura nacional e os membros do Ministério Público estão unindo esforços para combater fortemente as retaliações promovidas pelo Legislativo Federal, que, sob o pálio do combate à corrupção e da moralidade, tenta de todas as formas, e em várias frentes, instituir mecanismos para constranger juízes e membros do Ministério Público no exercício de suas atribuições funcionais, inibindo ou diminuindo suas ações, ante a firmeza com que estão atuando nas questões jurídicas importantes para o país.
Propostas como a anistia ao caixa 2 e a inclusão de magistrados como sujeitos ativos de crime de responsabilidade, as quais poderão ser incluídas no parecer do PL 4850/2016, por meio de apressada emenda a ser apresentada em plenário, pretendem absolver todos aqueles que sugaram o País e impedir que magistrados e promotores continuem cumprindo, com independência e coragem, seus papéis.
A situação que temos acompanhado no Congresso Nacional é extremamente grave. Um momento sem precedentes na história republicana brasileira, em que estamos vendo uma série de ações orquestradas que buscam cercear a atuação da magistratura e do Ministério Público, paralisando o Poder Judiciário.
Nossa luta é por uma causa justa, pela decência, dignidade, por uma magistratura e um Ministério Público seguros e independentes, que possam mostrar ao Brasil que não apenas há justiça neste País, como a lei se aplica indistintamente a todos.
Estamos contra quais projetos?
Reafirmamos posição contrária ao Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) 280/2016, que busca atualizar e substituir a atual lei de abuso de autoridade.
O texto, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), e cuja relatoria se encontra com o Senador Romero Jucá (PMDB/RR), se traduz num verdadeiro atentado ao livre exercício das funções do Judiciário e do Ministério Público, pois está repleto de tipos criminais genéricos e demasiadamente abertos, sem definição clara dos elementos que os compõem, os quais permitem, em linhas gerais, a criminalização do pensar e da interpretação judicial dos juízes e promotores, pilares de suas atribuições.
A título de exemplo, consta do art. 9º do aludido PL que o juiz poderá sofrer punição caso decrete uma prisão preventiva e, posteriormente, esta seja revogada por haver entendido a instância superior que não estavam presentes os requisitos legais. Ora, é da essência do direito a multiplicidade de interpretações da lei e da doutrina, não podendo os juízes e promotores serem punidos por terem divergido da interpretação dada ao direito pelos tribunais, em sede recursal.
Para a magistratura, a apuração de crimes tão graves como os que envolvem a corrupção deve levantar discussões para o aumento de garantias aos agentes públicos responsáveis por essa atuação, e não o contrário, especialmente porque, no caso específico do Poder Judiciário e do Ministério Público, as prerrogativas asseguradas aos seus membros, todas de natureza constitucional, têm como destinatários finais a sociedade e são essenciais à defesa da democracia.
Todavia, na contramão dos interesses da sociedade, que quer ver os crimes investigados e seus responsáveis punidos com rigor, e diante da atuação firme e independentes dos Juízes e membros do Ministério Público, discutem-se atualmente no Congresso projetos que buscam incansavelmente enfraquecer o Judiciário e o Ministério Público, retirando-lhes prerrogativas tão caras à preservação da sua independência e do regime democrático.
Assim, quando um magistrado tem a suas prerrogativas atacadas, como está na iminência de acontecer no Congresso Nacional, é o próprio Estado de Direito que está sendo afetado. Sendo assim, a possibilidade de aprovação destes projetos interferirá sobremaneira não só no Judiciário em si, mas em toda a sociedade.
A sociedade precisa entender a importância da luta das instituições contra qualquer iniciativa que pretenda constranger as autoridades que atuam no enfrentamento à corrupção e contra outras que queiram reduzir estrutura, recursos e atribuições do sistema de Justiça brasileiro. Não queremos recursos para privilégios. Nós queremos recursos para cumprir a nossa função.
É exatamente por cumprirem seus deveres que a magistratura e o Ministério Público estão sofrendo esta retaliação.
Também está sendo tratado, pelo Congresso Nacional, o PL 4850/2016, que trata sobre o pacote de medidas anticorrupção. O parecer do projeto seguiu para o plenário da maneira que foi aprovado na CCJ. Entretanto, as lideranças políticas têm o entendimento no sentido da inclusão de emendas de última hora, sem conhecimento e debate prévio, que visam a tornar magistrados e membros do Ministério Público sujeitos de crime de responsabilidade, passando estes a serem julgados pela classe política.
Assim, não obstante já estejam os Magistrados e Membros do Ministério Público, no tocante à responsabilidade pelo exercício de suas funções, submetidos às esferas administrativa, civil e penal, também passarão a ser fiscalizados na esfera política, o que nos permite concluir que, sempre que desagradarem um parlamentar em suas decisões, estarão sujeitos a serem processados e julgados pelo Poder Legislativo.
Outra iniciativa extremamente danosa é a PEC 62/2015, que extingue a vinculação automática entre subsídios. Caso seja aprovada a proposta inicial, além da quebra da unidade da Magistratura (reiteradamente afirmada pelo Supremo Tribunal Federal), serão criadas sérias distorções não apenas entre as esferas federal e estadual, mas internamente entre as próprias magistraturas estaduais, pois qualquer tipo de correção de subsídios passará a depender de lei estadual e, consequentemente, do arbítrio do Poder Legislativo respectivo.
O Poder Judiciário precisa ser independente. Não pode estar a mercê da vontade de outros poderes, sob pena de cair por terra sua autonomia.
Em que atinge a magistratura?
São projetos que, caso sejam aprovados, vão consolidar um modelo de Estado sem Judiciário, um sistema completamente desprovido das prerrogativas da magistratura. É um pacote pró-corrupção, que compromete a autonomia e a independência dos juízes brasileiros.
Em que atinge a sociedade?
A magistratura nacional precisa do apoio da sociedade, pois um Judiciário enfraquecido acarretará em uma sociedade sem a proteção devida aos seus direitos.
Estamos tratando de questões fundamentais para o Brasil, para a República e para a democracia.
Estão tentando criminalizar os agentes públicos que têm a função constitucional de reprimir e punir os crimes de corrupção.
Qual o objetivo do Congresso Nacional/classe política?
Eles visam à submissão dos juízes e a impunidade dos que saquearam o Estado, dos que utilizam de ações corruptas em detrimento da crise econômica enfrentada pela população brasileira. Um Judiciário enfraquecido fragiliza toda a sociedade
Mas em que os Juízes são melhores que os outros cidadãos, que não querem ser punidos?
A Lei Orgânica da Magistratura já prevê punição para os juízes que praticarem ilícitos ou abusarem do seu poder. Já existe previsão de penas que variam de censura até a perda do cargo. Entretanto, os órgãos de processamento e julgamento foram disciplinados de forma a assegurar que nenhum juiz seja perseguido em razão do conteúdo das suas decisões. As decisões poderão ser objeto de recurso do interessado, mas tentar punir um magistrado por decidir desta ou daquela maneira é reduzir o próprio Poder Judiciário e o Estado Democrático de Direito.
Números:
Na Paraíba há um excelente trabalho referente à Meta 4 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – julgamento de ações de improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública –, e graças ao empenho dos juízes deste Estado, em números atualizados no último mês de outubro/2016, temos como resultado do julgamento de 139 ações de improbidade administrativa e crimes contra a administração um total de 89 condenações e 50 absolvições de gestores e ex-gestores públicos.
Juízes acumulam comarcas no Estado da Paraíba:
Mesmo após a posse de juízes no mais recente concurso realizado pelo TJPB, ainda haverá 39 comarcas sem juízes titulares na Paraíba. Essa carência de magistrados indica que muitos outros estão assumindo o trabalho das comarcas sem juiz titular. Isso significa que, ao invés de trabalhar somente em suas respectivas titularidades, muitos magistrados do Estado da Paraíba acumulam o trabalho em mais duas ou até mesmo três outras Comarcas ou Varas.
De acordo com dados do Ministério da Justiça (2013), o Brasil tem 10 juízes para cada 100 mil habitantes, e mesmo assim a produtividade do juiz brasileiro é uma das maiores do mundo.
Os magistrados brasileiros julgam cada vez mais. Em 2015, eles atingiram o maior índice de produtividade desde 2009, de acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça. No ano passado, foram solucionados 28,5 milhões de processos.
Porque a sociedade precisa de um Judiciário forte?
Não podemos permitir que setores do Congresso permaneçam se pautando por ações que visam a interromper as investigações contra a corrupção, se debruçando sobre projetos com o objetivo de atender a interesses pessoais de uma parcela de parlamentares. Toda essa ofensiva demonstra o quanto, nesse momento de crise em que o Legislativo deveria ter como foco pautas relevantes para o Brasil, como a discussão que propõe o fim do foro privilegiado, muitos priorizam formas de paralisar e amordaçar o Poder Judiciário, invalidando importantes operações de combate à corrupção e buscando caminhos para perpetuar os mesmos quadros e esquemas que saquearam o País.
Subsídios/Vencimentos/Correção
A mobilização que hoje realizamos não diz respeito aos vencimentos da magistratura, mas sim à defesa da independência do Judiciário, para que possamos julgar com autonomia casos de corrupção, por exemplo.
Muito se fala em “supersalários”, mas isso não se aplica a todos os juízes, inclusive na Paraíba nenhum magistrado percebe salários, vencimentos, subsídios ou vantagens acima do teto constitucional.
Em muitos casos se verifica que maldosamente se vem divulgando o recebimento de alguma verba pretérita a que o magistrado tem direito como se ela fosse permanente. As vantagens pretéritas são devidas ao magistrado da mesma forma que é devida a todo e qualquer trabalhador público ou privado que tenha créditos a receber de seu empregador.
Também se verifica que, havendo acumulação de Comarcas e Varas, o magistrado recebe gratificação por trabalhar o dobro ou o triplo do que trabalharia, caso estivesse apenas na sua Vara.
Também é justo e legal o pagamento de diárias para o magistrado que se desloca para outras Comarca, muitas delas distantes, para suprir a falta de outro juiz. Não se pode esperar que ele pague com seus próprios recursos as despesas com transporte e estada.
O auxílio-moradia decorre de lei e está sendo pago em razão de decisão do STF. Na verdade, a grande luta da magistratura é por um subsídio compatível com as responsabilidades do cargo, que seja corrigido periodicamente, a fim de recompor as perdas inflacionárias.
Desde a instituição do sistema de subsídios, em 2005, o pacto político constitucional que assegura anualmente corrigi-lo para manter o seu poder de compra foi seguidamente descumprido em pelo menos cinco anos, ao longo dos governos Lula, Dilma e já recentemente no governo Michel Temer, tudo isso gerando perdas no valor dos subsídios da ordem de 43%. Essa mesma desorganização remuneratória, em período anterior ao regime de subsídios, gerou diferenças em favor de parcela da magistratura, cuja liquidação não é menos tormentosa.
As associações da magistratura da União defendem há anos a instituição de um projeto de remuneração que seja estável, transparente, equilibrado e que valorize a gradação da experiência dos magistrados à medida da evolução do tempo de carreira, capaz de assegurar a garantia periódica da recomposição salarial, nos termos da Constituição Federal.
Assim, neste dia 01/12, a Magistratura e o Ministério Público brasileiros se unem em estado de mobilização para reafirmarem publicamente suas posturas independentes e intransigentes no combate à corrupção, na defesa da sociedade e do Estado Democrático de direito, ao passo em que repelem veementemente todas e quaisquer manobras políticas que busquem direta ou indiretamente coibir ou restringir as suas atribuições funcionais.