
Por Alexandre Moca
O São João de Bananeiras, incrementado e expandido como um pé-de-serra legítimo desde a época da prefeita Marta Ramalho, foi trazido até bem pouco tempo atrás como uma marca de sucesso enquanto evento popular. O município se tornou, com o passar dos anos, uma espécie de sacrário de uma das mais caras e autênticas tradições culturais nordestinas.
A bela e bucólica cidade serrana do Brejo, sempre atraiu um numeroso público para sua principal festa. Muita gente, de outras cidades e até estados, habituou-se a vivenciar os festejos juninos no Brejo não só em Bananeiras, mas no seu entorno. Em suas versões mais antigas compareciam à cidade um contingente de visitantes em quantidade suficiente para o transcurso de uma festa saudável e segura, com atrações musicais e público em absoluta comunhão.
Entendo que a música sertaneja, o ‘forró de plástico” e a chamada música de “paredão”, nada mais são do que uma ração de baixa qualidade, imposta pela mídia, como dieta para uma engorda aculturada. O avanço forçado por esse tipo de música não só ameaça como invade o cerne dos valores mais caros da música regional, especialmente a música nordestina.
A continuar como vai, em um futuro próximo, não fará qualquer diferença estar em uma festa de rua em Barretos (SP), Caruarú (PE), Cascavel (PR) Americana (SP), Itumbiara (GO) ou Campina Grande (PB). Seremos um uníssono aculturado, com as bênçãos do agronegócio, quiçá patrocinados por marcas de defensivos agrícolas, abertamente, uma vez que já o fazem na entoca.
Digo isso sem qualquer apego a teorias conspiratórias, mas pelo que se descortina de forma nítida e clara diante da nossa visão.
Quando perdermos por completo o que nos une culturalmente, seremos presas muito mais dóceis e fáceis a cair nesse ardil montado com o rótulo de entretenimento de graça. Nada é de graça e, nesse caso, nada é tão sem graça como chamar música de baixa qualidade de forró, ou querer impor, no nosso São João, duplas sertanejas vestidas como cowboys americanos, a miar em dueto a história de seus próprios chifres.
Devíamos é nos perguntar a quem interessa atrair contingentes humanos consideráveis para grandes confinamentos, lugares onde a multidão é empanturrada por um insistente lixo melódico, com suas batidas repetidas, as quais continuam reverberando nos tímpanos e nos inconscientes muito tempo depois de ouvidas, como se fosse uma espécie de mantra.
O que há nesses locais, na realidade, é a mistura indigesta da música sertaneja e da chamada música de paredão, com doses maciças do tal “forró” de plástico. Essa oferta musical é sintetizada em uma espécie de “pellet” (partícula comprimida de ração animal) como fosse uma pílula musical à qual são acrescidos alguns ingredientes dançantes pouco criativos.
As letras, algumas delas, chegam a ser terrivelmente acintosas e atentatórias a dignidade e do homem e da mulher, em especial quando esses são tratados como bêbados, cornos e raparigas. Não bastasse, no caso da música de “paredão” e do “forró de plástico” os ritmos dão azo a coreografias que, quando executadas em público, de tão vulgares, fariam corar prostitutas experientes e cafetões depravados.
Como numa espécie de catarse, os frequentadores dos confinamentos são desligados temporariamente de suas realidades e submetidos a um turbilhão de propagandas que vão desde as ostensivas até às subliminares. Os reclamos induzem ao consumo imediato de rios de cerveja, além de outras bebidas e marcas expostas massivamente.
Aí é quando o mantra, de péssimo gosto, ajuda a plasmar no inconsciente dos confinados, o desejo cada vez maior de consumo daquilo que é anunciado, não só nesses espaços, mas quando as tais marcas são vistas fora deles.
Concretiza-se, por associação, a finalidade do estímulo auditivo contido no tal “pellet” musical oferecido. Os mais básicos manuais de publicidade abordam essa estratégia, especialmente nos capítulos que tratam do marketing sensorial e da propaganda subliminar.
Assim como já descaracterizaram o São João de Campina Grande, o ataque parece agora ser voltado às festas mais interioranas, como as de Bananeiras e tantas outras que tentam resistir, promovendo eventos juninos que ainda consideravam e respeitavam a tradição cultural nordestina.
Apesar do bombardeio midiático deste ano e do investimento em um espaço supostamente mais amplo e certeiramente de acessibilidade complicada, Bananeiras não conseguiu atrair, como nos anos anteriores, as verdadeiras hordas que compareciam a esses confinamentos.
Em tais lugares o administrador público e alguns abastados locais e regionais, do alto dos seus camarotes, observam a multidão repetir os gestos comandados pelas chamadas atrações, com os seus “mãozinha pra cima” e “vamos tirar o pezinho do chão”.
Tais movimentos esbugalham os olhos de alguns políticos e os fazem sonhar com toda aquela massa humana transformada em votos, convertida em perpétuo poder. Na receita do São João de Bananeiras deste ano, talvez tenham colocado pitadas exageradas de neo coronelismo, fazendo valer, na construção da programação do evento, vontades tanto imperiosas quanto inconsequentes.
Em um passado recente o acadêmico Ramalho Leite já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema. Por ser da terra e um dos importantes artífices do seu desenvolvimento, falou com autoridade e trouxe para subsidiar a sua argumentação, nada menos do que Ariano Suassuna.”. No titulo do seu escrito o autor brejeiro cita o verso mostrado por um roqueiro a Ariano, como o ápice da sua criação, no qual poetisa dizendo “Ao redor do buraco tudo é beira”. Leve, elegante e bem-humorado, Ramalho deixou nas entrelinhas as mesmas preocupações que eu, ditas do seu jeito.
Recorro, como também fez o Ramalho, a Ariano Suassuna. O ilustre paraibano, em referência análoga, afirma: “Cachorro só come osso porque não lhe dão carne”. O São João de Bananeiras, até pouco tempo, era uma prova disso.
Um empresário bananeirense de visão, soube interpretar o sentimento a cada dia crescente do retorno da festa à sua tradição mais pura. Ofereceu a pelo menos uma parte do público que acorre à cidade nos festejos juninos um espaço protegido da chuva, amplo e com estacionamento. Boa comida e forró pé de serra complementaram a animada programação do Vila Aura.
Tal equipamento foi capaz de abrigar, de forma digna, os amantes do tradicional São João de Bananeiras, onde no palco não faltaram os animados trios de forró. O poder público local não gostou e, enciumado, tentou obstaculizar o evento. Deu com os burros n’água. O São João do Aura tornou-se, rapidamente, o mais comentado nas mídias sociais.
Que das cinzas do último festejo junino em Bananeiras, dispostas ao redor do buraco que parece ter ficado depois do evento, renasça a Fénix do bom senso que sempre guiou o admirável povo daquela cidade e as suas lideranças.
Alexandre Henriques (Moca) é cronista, fotógrafo-multimídia


