O papa Francisco fez neste domingo uma autocrítica antes de deixar o Brasil: a Igreja está “atrasada” e mantém “estruturas caducas”. Para ele, chegou o momento de a instituição entender que precisa se modernizar e deixar de viver de tradições ou de vender esperanças para o futuro. Em seus improvisos, porém, deixou claro que é preciso mudar sem perder dogmas nem valores.
A ocasião escolhida para apresentar seu “programa de governo” para a Igreja – baseado no documento de 2007 da Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida – foi a reunião que manteve com os cardeais, ontem à tarde no Rio. Francisco fez um ataque ao abuso de poder na Igreja, à mentalidade de “príncipes” entre os cardeais, à inclusão de ideologias sociais no Evangelho – tanto marxistas quanto liberais – e uma denúncia frontal contra o carreirismo e contra a distância imposta pelos bispos aos fiéis.
Em um duro discurso, o papa Francisco apelou por uma Igreja “atual” e apresentou um raio X dos problemas da Igreja que, segundo ele, estão impedindo seu crescimento e fazendo proliferar sua “imaturidade”. As reformas na Cúria começarão a ser apresentadas já em setembro. Mas, para o papa, mudanças nas estruturas não bastarão. É preciso adotar nova atitude.
No centro de seu projeto estão a renovação interna da Igreja e a insistência de que sacerdotes deixem a sacristia e tomem as ruas, dando especial atenção às periferias – não só das cidades, mas também aos segmentos marginalizados da sociedade. “O que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade”, declarou, lembrando que isso “exige gerar a consciência de uma Igreja que se organiza para servir a todos os batizados e homens de boa vontade”. “O discipulado-missionário é o caminho.”
Vícios e tentações. Francisco, porém, ao apresentar sua estratégia para reconquistar fiéis e retomar a influência da Igreja, alertou para vícios e tentações que a instituição atravessa e precisa abandonar para poder retomar sua credibilidade. Disse de improviso que, “com o início do pontificado, recebe cartaz, propostas, chegam-lhe inquietudes, propostas que… se casem os padres, que se ordenem as monjas (risos), que se dê a comunhão aos divorciados”. Francisco chega a falar em catolicismo ilustrado e dizer que essas questões “não vão ao problema de fundo, real”.
Outra crítica foi dirigida à “ideologização da mensagem evangélica”. O argentino, porém, fez questão de atacar não apenas a Teologia da Libertação, mas tendências liberais. “A tentação engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista”, declarou.
O papa também combate o que chama de “restauracionismo” dos movimentos tradicionalistas da Igreja que, segundo ele, usam justamente os ritos para reafirmar a Igreja. Para o papa, essa não é a solução.
Para ele, outra ameaça à Igreja é o “funcionalismo” que paralisa a instituição. “Reduz-se a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de ‘teologia da prosperidade’ no organograma da pastoral”, disse, uma referência a movimentos pentecostais. “A Igreja é instituição, mas, quando se erige em ‘centro’, se funcionaliza e, pouco a pouco, se transforma em uma ONG.”
O papa também criticou o clericalismo, “uma tentação muito atual na América Latina”. Ele denunciou a “cumplicidade viciosa entre o sacerdote que clericaliza e o leigo que lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo”. O resultado seria uma Igreja com “falta de maturidade adulta e de liberdade cristã”.
Fonte: Estadão